data-filename="retriever" style="width: 100%;">J'accuse!, em português "Eu acuso", é o título de um artigo, escrito pelo romancista e ativista político francês Émile Zola (1840-1902), sob a forma de uma carta aberta dirigida ao então presidente francês, publicado em 13 de janeiro de 1898 em um jornal parisiense. Trata-se de uma contundente denúncia contra os oficiais que ocultaram a verdade no caso que mobilizou a opinião pública na época em que o oficial francês, de origem judaica, Alfred Dreyfus, foi acusado injustamente de traição e espionagem. O texto prima pela defesa da liberdade de expressão e é visto como um marco na história do jornalismo.
Na semana passada, quando o senador Omar Aziz (presidente da CPI da Covid) começou várias frases criticando a atuação do presidente Bolsonaro na pandemia com "Eu acuso", lembrei imediatamente do texto de Zola. Depois de ouvir o relato de servidores de carreira do Ministério da Saúde, o senador manifestou-se sobre o possível envolvimento de militares no suposto caso de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin. A reação indignada com a manifestação, por parte dos comandantes militares, foi imediata e, ao meu ver, desproporcional.
Por outro lado, Bolsonaro, com a popularidade em queda livre na última pesquisa Datafolha, prepara uma saída "à francesa" da cena política atacando a CPI e o STF, especialmente o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, que é contra o voto impresso, chamando-o de imbecil e idiota. O xingamento à CPI foi chulo e impublicável.
Justifica-se o desespero de Bolsonaro: se os números se mantiverem na eleição de 2022, ele não iria sequer para o segundo turno. Caso fosse, com uma rejeição de quase 60%, perderia para todos os demais candidatos.
Como Bolsonaro é daqueles que colocam gasolina para apagar o incêndio, ele ameaçou que se não tiver voto impresso também não haverá eleição. Barroso não deixou por menos: viu na declaração, crime de responsabilidade - condição suficiente para depor o presidente. Nesse momento, todos os componentes para uma crise institucional entre os poderes estavam presentes. Coube ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, alertar para o óbvio - quem manda é a Constituição. Nem os militares podem ameaçar com a força, nem o presidente tem poder para impedir as eleições.
Na sua manifestação, Pacheco ressaltou a importância da geração anterior a sua para o retorno do regime democrático. Isso é importante para entender que os militares na ativa hoje só sabem do período da ditadura por ouvirem falar. Situação diferente dos militares da reserva que viveram aquele período. Estes últimos participaram do projeto político de Bolsonaro e se constituem numa espécie de partido político paralelo: o Partido dos Militares. Seu objetivo é participar do poder, disputando cargos com os civis, e ganhos salariais.Reportagem recente da revista Piauí mostra que uma portaria do Ministério da Economia permitiu a que mil servidores do Executivo, entre eles o próprio presidente da República, o vice-presidente e pelo menos três dos ministros militares, desde maio, recebam salários acima do teto constitucional de R$ 39.200. O ministro da Defesa, general Luiz Eduardo Ramos, por exemplo, recebe mais de R$ 60 mil mensais, somando-se a aposentadoria como general de exército e o salário de R$ 30 mil como ministro de estado.
Pesquisa do Datafolha do último domingo, 11 de julho, mostrou que 62% dos brasileiros são contra a participação dos militares na política. Nunca houve tanta participação dos militares nos ministérios como agora. É preciso que o Congresso imponha, pelo menos, limites. Sob pena de ser verdadeira a frase de que "quando a política entra nos quartéis pela porta da frente, a disciplina sai pela porta dos fundos".